top of page

“A revolução é uma eztetyka” ou uma étyka?

  • Foto do escritor: Davi Benseman
    Davi Benseman
  • 21 de abr. de 2021
  • 8 min de leitura

ree

Desconfiado da minha própria sombra, me pergunto: Quanta pretensão cabe num jovem de vinte e tantos anos? E nas poucas vezes que me olho no espelho, meus olhos respondem: Caberá o tanto que a desilusão dos trinta e poucos permitir. O tanto que o conformismo dos quarenta não massacrar. O tanto que o medo da morte aos cinquenta engajar.


Dos primeiros impulsos reflexivos, ao desejo de expressão textual, meus pensamentos e energia estavam voltados ao cinema contemporâneo brasileiro. Especificamente, filmes independentes, de edital ou não, que se propõem uma estética híbrida entre a ficção e o documental.


Observo a princípio, a obviedade, que tais filmes não podem ser assistidos sobre a mesma ótica dos filmes mercadológicos. É clara a ruptura com a estética predominantemente imposta, imposição feita tanto pelos meios distribuidores quanto pelo espectador-consumista, mal acostumado a desejar apenas o que não lhe provoca. Tal ruptura pode ser interpretada de maneira rasa por essa massa homogênea de mimados, como uma falta de compromisso com o “público”.


Reclamarão aos ventos: “não tem ritmo”, “não me prende”, “é duro de assistir”, “não tem roteiro”, etc.

Esses filmes, não estão à nossa disposição, eles não servem à você nem a ninguém, não são feitos para entreter. Se tem uma coisa que a quebrada, que os povos indígenas, negros fizeram/fazem por todos esses séculos, é servir, ajudar, amparar e se deixar levar pelos desejos egoístas das classes exploradoras.

Não sou sociólogo, antropólogo ou qualquer coisa do tipo. Mas observo muito bem os movimentos de influência imperialista no decorrer dos tempos, seus diferentes efeitos nas gerações passadas e nas atuais. O que farei a seguir é uma especulação sobre como se dão possíveis mudanças de postura revolucionária ou de acomodação dentro dos âmbitos geracionais.


Observo principalmente a geração dos meus pais e tios, nascidos nos anos 60, consecutivamente, criados sob o regime militar e vivendo nos 80, um tipo de idealização capitalista, oriunda é claro, das influências culturais do fim da Guerra Fria. A repressão ao pensamento revolucionário cresceu conforme a censura educava uma sociedade à sua própria autocensura. “Não pense em mudar o sistema, mude sua vida para melhor, dentro dele.” A acomodação aos valores imperialistas nessa juventude, crescia conforme o incentivo ao desejo por um american way of life.


Havia nessa geração um curva do ideário político muito diferente da geração seguinte. Importante lembrar que: quando eram crianças, a ditadura estava eu seu auge na censura. Quando eram adolescentes, viram o processo de abertura emergir. E em sua adulteza, a democracia capitalista se solidificar. Numa lógica onde o desejo foi sendo instruído como medida para a felicidade humana e a realização do desejo como finalidade da criação de sentido para a vida. Nessa lógica perversa e mentirosa, eles nos dirão: Para ser feliz, é preciso desejar, para dar sentido à vida, é preciso realizar os desejos.


Assim o ideário político dessa geração seiscentista, se deu mais frutífero quando jovem, durante os quinze até no máximo vinte e cinco anos, quando se encontraram trabalhadores e com vínculos de responsabilidade construídos apenas com sua família, amigos do trabalho e amigos de sua comunidade/localidade. Entretanto, a partir da evolução da retórica imperialista, a propaganda especializa-se em fundir-se com os produtos culturais de massa. Transformando a sociedade brasileira no espelho direto das telenovelas (com seu ideal de vida feliz: trabalhar, casar e ter filhos) e dos telejornais (apresentando um mundo conforme os interesses do império). Dissolvendo qualquer tipo de pensamento revolucionário, conforme se envelhece e deixa-se levar pela articulação dos meios de comunicação de massa.


A minha geração, nasceu numa época em que o sonho imperialista ia bem, tirando o Governo Color e as altas inflacionárias, veio FHC, depois Lula, políticas sociais, retorno da cultura… Sonhos de um país melhor? A imprensa elitista e homogênea, escrachou e se aproveitou dos últimos anos de reinado. Até a chegada de uma tecnologia que se proporia a levar informação de maneira supostamente democrática. Ledo engano. Roubaram nossos dados, personalizaram propagandas e acabamos desejamos coisas sem saber ao menos saber o porquê.


Porém, também graças à ela, chegamos às universidades, tomamos de assalto as instituições, antes reservadas às camadas privilegiadas. Demos rolezinho nos shoppings, nas Av. Paulista, Faria Lima. E praticamente liquidamos os ricos trotantes do Pq. Ibirapuera. Viajamos o mundo de avião e acabamos sentando lado a lado com aquela gente que fede perfume. É claro que eles se incomodariam, que uniriam esforços com a mídia de massa para lembrar-nos da autocensura. Lembrar que deveríamos nos comportar, seguir a etiqueta.


O golpe final foi dado quando nos tiraram o emprego e fizeram o possível para manter distancia da gente, arquitetaram diversos meios para que não nos relacionemos, não negociemos, não reivindiquemos nada. E eis porquê a curva do nosso ideário político é tão diferente.


Fomos criados dentro do sonho capitalista, da estrutura de pensamento individualista. Seguimos a lógica competitiva desde o momento em que nascemos. Fomos criados por pessoas que acreditam que a lógica imperialista é a forma madura de realização social, porque foram incentivados a acreditar e a repetir que felicidade “é vencer na vida”.


Jovens que cresceram desde muito novos, pensando no futuro, nos estudos, na carreira, na constituição de uma família e no fim de sua vida. O jovem da minha geração são um eterno poço de desejos, de conciliação de frustrações, de auto cobrança, de inseguranças. De depressão. Por desejar demais, num mundo em que tudo está se esgotando. O jovem de hoje, acorda para as ações revolucionárias tardiamente, porém de maneira ainda mais concreta e fundamentada.


E se tudo se esgota -por opção da própria lógica imperialista-, não há mais retórica que se faça crível para essa geração. Conduzindo um movimento ideário baseado na desilusão dos meios anteriores. Tenhamos, quem sabe, algumas similaridades com a geração de nossos avós, nascidos em 30, e que tiveram seus sonhos interrompidos ou reajustados à realidade ditatorial.


E temos muito o que aprender com essa geração, que antes mesmo de 64, já pensavam de maneira prática, nas formas de revolução artística dentro dos contextos da época.


Nascido em 1939, Glauber Rocha escreveria aos 28 anos (1967), um texto chamado “A revolução é uma eztétyka”:

A única opção do intelectual do mundo subdesenvolvido entre ser um “esteta do absurdo” ou um nacionalista romântico” é a cultura revolucionária. Como poderá o intelectual do mundo subdesenvolvido superar suas alienações e contradições e atingir uma lucidez revolucionária? Através do exame crítico de uma produção reflexiva sobre dois temas justapostos -O subdesenvolvimento e sua influência primitiva. -O desenvolvimento e a influência colonial de uma cultura sobre o mundo subdesenvolvido.

Não esperava Glauber Rocha, que mais de meio século depois de seu texto, os jovens estariam numa recusa ao intelectualismo. Prova do sucesso de “um conhecido projeto privatista, mesclado, porém, desta vez, a uma espécie de anti-intelectualíssimo tropical de mercado”, como bem apontou o historiador Alain Corbin:

São muitos, hoje, os indícios de que a racionalidade neoliberal, amplamente disseminada nas últimas décadas, abriu caminho para o avanço do neoconservadorismo, que, por sua vez, também tem se feito presente por formas variadas de constrangimento à liberdade acadêmica.

Faz sentido então dizer que o jovem realizador de cinema, não tem, nos dias de hoje, uma única opção sequer? Evidente que não. O que ele tem é quase o oposto: uma grande liberdade criativa, porém, autocensurada pelos valores neoliberais que lhe foram incentivados.


Tentando fugir desses valores neoliberais, o jovem tentará mudar o tema, conservando a forma, mudará os personagens, mantendo a estrutura narrativa clássica, registrará espaços pouco familiares, usando do ritmo frenético ou da montagem padronizada.


E há aqui o esforço de entender: o que basta?


Como se desvincular desses valores neoliberais por inteiro? Sendo que esses mesmo valores, exploram e se apropriam de culturas ancestrais para lucrar em cima de nossas raízes e usam do conhecimento científico para manipular o subconsciente, fazendo-nos agir cada vez mais pela emoção. (?)


A resposta ao que parece, ainda está sendo formulada na sua praticidade, mas já podemos ver métodos de realização similares entre diversos cineastas.


O primeiro aspecto mais notável: Planos longos, sequenciais, sem uma decupagem estrita; mis en scene de corpos apequenados em relação ao seu espaço; a memória afetiva como resgate da ancestralidade do sujeito. Hibridismo do documental com a ficção.


O segundo aspecto, é menos notável por tanger o extra fílmico: Modo de produção horizontalizada. A vivência coletiva como pesquisa de campo e potência para o alcance da realidade fílmica. Negação do sujeito como “objeto” fílmico. Agregação dos atores sociais como idealizadores e realizadores do filme.


Esse segundo aspecto, deixa claro uma maior preocupação com a ética das relações, a partir da recusa ao modelo hierárquico tradicional. Tal relação ética de produção e criação, parece formar a estética do filme, e não o contrário, como proporia Glauber, no mesmo texto de 67:

A didática e a épica devem funcionar simultaneamente no processo revolucionário: A didática será científica. A épica será uma prática poética, que terá de ser revolucionária do ponto de vista estético para que projete revolucionariamente seu objetivo ético.

Meu lado pesquisador agora coça, querendo investigar a ética das produções de Glauber, em comparação com as produções contemporâneas.


Mas voltando ao foco da análise, é interessante notar que, como parte dos valores simbólicos ligados ao filme, estão num plano extra-fílmico, parte do conteúdo desses filmes, se faz no diálogo entre realizadores, espectadores e realizadores de outros filmes. Esses outros realizadores, na oportunidade de um diálogo compartilhado, (via live, por exemplo) não hesitam em perguntar os métodos de produção horizontalizada praticados pelos realizadores em questão. Dando ao filme, camadas cada vez mas profundas, conforme as informações extra-fílmicas se relacionam com nossa experiência fílmica.


Com mais camadas e potencialidades simbólicas explanadas pelos realizadores, o espectador volta ao filme com um olhar mais político, consecutivamente, mais ético. Mas existe ética ao se assistir um filme?

Parece que assim se espera do espectador, uma lente ética, respeitosa e meditativa acerca dos conflitos apresentados.


Se um filme feito aos moldes tradicionais, carregam desde o embrião da ideia, uma hierarquia na produção, uma metodologia mercadológica, uma produtificação das narrativas, é evidente que seu objetivo final, seja lucrar. Assim como é evidente para o espectador-consumidor, que o que ele quer é um produto que lhe garanta uma experiência à qual ele já conhece/está acostumado.


Agora, se um filme é feito desde suas especulações, fora de qualquer molde, numa reunião entre realizadores e atores sociais que lhe orbitam, assumindo uma chave de atuação ética perante a criação coletiva, podemos interpretar com isso que o espectador está longe de ser alguém passivo ao que assiste. Seja pela força reflexiva a que os longos planos induzem, seja pela provocação em negar ao espectador, qualquer satisfação que se dê através da passividade perante a tela.


Assim como o filme foi realizado numa chave ética, o momento de assistir o filme, deixa de ser um momento de entretenimento e consumo, para se tornar um momento de reflexão, um ato ético perante os temas, à estética, à forma ética que o filme foi realizado.


Superficialmente, constato que há uma remodelação dos valores agregados às obras artísticas contemporâneas. Ao meu ver, existe uma espécie de nova cartilha de valores positivos e negativos das obras. Valores que dialogam com o pretendido em outras épocas da reflexão crítica do cinema brasileiro, como apresentamos no texto do Glauber.


Os filmes brasileiros contemporâneos, não são didáticos, tão poucos épicos. E que façam bons ensaios para me contrariar nessa constatação.


As ideias contemporâneas e consecutivamente, a estética contemporânea -me parecem- não nascem de um desejo em fazer cinema revolucionário. Mas acaba por se tornar revolucionário, por justamente pensar a ética da produção e distribuição dos filmes. Não pela estética alcançada, essa, me parece ser algo secundário, mais intuitivo e em confluência de interesses e demandas com os festivais. Não é um simples modismo tal estética, porque ela se dá, teoricamente, a partir da experiência coletiva. Ou seja, consequência da ética.


Voltando à pergunta que gera o título desse texto, só posso afirmar que o pensamento e o debate precisam ir além da realização dos filmes. Sendo éticos e coletivos, ou sendo hierárquicos e neoliberais. Uma questão nova a surgir agora, é a ética do espectador. Espectador ativo versus passivo. Informação extra-fílmica versus Ignorância pré-fílmica. Entre outras questões que precisam ser discutidas.


Meu elogio final ao método contemporâneo de se fazer cinema, se dará por uma verdade básica: os filmes vão, as pessoas ficam (há quem pense o contrário).


Sobre o cinema contemporâneo brasileiro, deixo aqui uma frase de efeito:

A construção da obra não importa, importa a obra da construção.

 
 
 

Comentários


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page