Propostas para uma estória de amor.
- Davi Benseman

- 21 de abr. de 2021
- 4 min de leitura

A criatividade tem seus altos e baixos. Estudo roteiro e cinema, calculo, há 8 anos. Reflito sobre meu próprio poder criativo há pelo menos duas décadas. Com desenhos, construções de lego ou poucos anos mais tarde, nos palcos interpretando. Se o pesadelo de alguns criadores é não ter ideias, meu pesadelo é escolher entre tantas, qual será digna de ser realizada, qual tem o maior potencial fílmico; Mas superados os problemas de escolha temática, me surgem outros tipos de problemática, muito mais contemporâneas, e me abro para que possamos analisar de maneira calorosa e compartilhada essa angústia à falta de certeza do ‘como’ realizar filmes coletivamente.
Refletindo sobre minhas obras passadas, não me forço ver nenhum tipo de evolução propriamente dita. Cada filme com sua particularidade, mostram facetas da minha paranoia surrealista, a perseguição, o perigo iminente dominam minhas narrativas; tento de algum modo causar paranoia ou histeria ao espectador. O poder de contar as minhas próprias estórias me foi dado recentemente, há 2 ou 3 anos. Confesso que isso me mal acostumou na escrita, tirando muito do poder crítico de algumas obras.
Mas terminado meu último ciclo, um novo ciclo se inicia agora. Chegou a vez de me integrar à novos pensamentos e ações. Flores e Canhões é o nome provisório de um novo filme que se passar no 8º festival Super Off, dará início à essa nova fase. Fazer um filme curto sobre um casal, não é fácil, mas não é impossível. Penso sobre tudo o que estamos passando, e como se faz necessário falar sobre isso agora… Não sou só eu que perdi um ente querido nos últimos tempos. Ou alguém que amava. Ou um amigo muito especial. Ou um emprego dos sonhos. Perdemos tudo o que não tínhamos nesse espaço-tempo-histórico que vivemos. Talvez nosso filme reflita isso, o desamparo.
Jailson Ramos vai compor o time é claro. Aliado na resistência por um cinema popular, político e transformador. Luís Fernando Garcia integra também o conjunto, ator e produtor musical, contribuirá significativamente na construção dos personagens e na metodologia de direção dos atores. Já os atores desse filme também estão muito bem acolhidos. Júlio Lorosh e Mariana Sena, darão vida à esse casal e à essa estória-documento .
Mas agora começo pensando nas potencialidades dessa estória. Tenho acompanhado essa nova leva de cineastas independentes, com filmes misturando realidade e ficção à partir de exercícios da memória afetiva. Não sou de me levar em tendências. Mas simpatizo com quase tudo o que falam.
Sinto que passei anos aprendendo algo que terei de superar, para não falar “desaprender”, porque acaba que é como eu me sinto. Desaprendendo. Ou me desprendendo, da fórmula, da receita. Sou fiel hoje à muitos pensamentos, sobre a metodologia, ética e representação no cinema brasileiro.
Não será um trabalho fácil, mas vislumbro alguns caminhos. Um deles seria um registro docuficcional da vida de casado dos atores, a partir de conversas que faríamos de maneira individual com cada um deles, e depois de maneira conjunta, gravando o som de suas falas. E surgir com imagens de seus momentos sozinhos e juntos. Em paz, em negociação, em guerra (por que não?). Sincero como as memórias que eles evocarem.
Conflito nº1 desse tipo de produção: a falta de preparo com que chegamos ao set. C.nº2: o tempo disposto para nos organizarmos e ouvirmos os atores para que a partir de suas memórias, construirmos nossas imagens. Penso que numa disposição de 2 dias e 3 noites, isso seria facilmente contornado. Então essa seria uma condição material mínima para fazermos nessa esquemática mais coletiva.
O tema do filme para mim pouco importa, quero assistir um pouco de tudo o que me derem. É uma oportunidade única de admirar e falar sobre o amor, desse ponto de vista único em que estamos todos 3 os realizadores. No caso, solteiros e alguns especialmente fragilizados. Será catártico e será nossa manifestação de amor ao amor. Nos rejuvenescerá, com certeza.
Este filme, Flores e Canhões -ou seja lá que nome ele ganhe ao longo dessa produção- não poderá ser um filme mudo. Ou poderá? Contagiarei mais um filme com o silêncio e a caricatura? Espero que não, mas se assim surgir naturalmente, não irei me opor.
Na minha visão, agora é o momento em que estou repensando todas as formas que apliquei do fazer e do criar cinematográfico. Busco respostas de como agir de maneira coletiva, sincera e eficaz de fazer cinema. É preciso pensar nessa metodologia, porque por mais que essa deva ser feito também de maneira coletiva, boa parte das ideias nascem nas individualidades das pessoas. E sabendo que cada um é um universo, tanto de criação quanto de criatura (ser criado), é mais que necessária essa primeira reflexão sobre o coletivo de maneira individual. Ou seja, cada um na sua casa, pensando e se preocupando com a criação coletiva, pensando formas ao seu alcance de solucionar problemas prático-criativos.
O primeiro passo para um realizador cinematográfico, que quer começar a trabalhar de maneira coletiva e colaborativa (realizadores habituados ao cinema verticalizado), não é deixar para criar quando todas as mentes estiverem presentes. Mas firmar um compromisso coletivo de todos pensarem sobre a obra e de como isso reverbera pra cada um. E coletivamente unir essas ideias que foram pensadas individualmente.
A partir daí se darão ideias melhores e transmorfas, com nível de reflexão individual sobre a obra coletiva. É dessa maneira que enxergo a transição de um cinema vertical para um cinema coletivo. Busco a riqueza das contradições, das muitas personalidades atuantes, as fraquezas do consciente e as forças do subconsciente. Resta agora saber o que meus demais amigos buscam, para que formulemos um filme rico.
Por isso deixo claro, falo de uma transição, como um viciado que está largando as drogas. O movimento é sutil em sua transformação, mas bruto em seu resultado final. Porque o objetivo é uma obra limpa de egos e de hierarquias, que celebre a dialética das relações afetivas.
Texto sem começo, sem meio, sem fim. Só refletindo mesmo. Esperando a resposta dessa conversa toda.
Quero ver o amor nascer na gente, várias e várias vezes, na forma de criarmos, na forma de enxergarmos o mundo. A ótica coletiva.
A coletividade está em nossos músculos, pra além da nossa racionalidade. Mas perdemos o contato e o domínio disso com o domínio simbólico e racional. O corpo carece de transe e catarse. E é isso que eu acredito que seja a abertura para um diálogo bem posicionado politicamente.
E no caso desse novo filme, a política mais emergente para mim agora, é a política do afeto.




























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