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Cinema periférico que vai, mas não volta.

  • Foto do escritor: Davi Benseman
    Davi Benseman
  • 21 de abr. de 2021
  • 3 min de leitura

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Só sei do que vivo. E sei pouco. O que vejo é um desdém com o nosso povo. Que povo? A população periférica trabalhadora. Só conheço a fundo meu bairro e é com ele meu compromisso maior, em segundo com as periferias vizinhas e assim suscetivelmente com as periferias urbanas latino-americanas. Realizar um filme na periferia é fácil, quero ver exibir e atingir àqueles que protagonizaram sua obra. Digo da posição de realizador periférico frustrado em não conseguir exibir filmes em telas maiores que a de um celular, como num lugar de reunião cultural, com um som digno e uma experiência coletiva. Me dói ouvir um realizador dizer que não se importa com o público, nada mais contraditório.


Não citarei quem mas quando ouço “eu não quero amarrar o espectador numa cadeira de cinema, eu quero que ele se dane” Fico preocupado com esses realizadores que acham que um cinema revolucionário está na forma de se fazer o filme, através da sua “interferência gramatical”, inocentemente acreditando numa “forma de fazer revolucionária”. A revolução está na forma. E no tema. E na imagem. E no discurso. E na retórica e etc, etc. O realizador periférico pode e deve reagir às emergências estéticas contemporâneas, o que não significa ignorar experiências e vivências do trabalhador periférico, como maneira de compreender como ele lê o audiovisual. O realizador periférico, quando enfim realiza seu filme, este, raramente toma providências reguladoras com o seu próprio filme, e quando toma, é para exportar o seu filme para que este seja exibido em festivais, sejam eles presenciais ou online, na sua própria cidade ou em outras. Pouco pode o realizador reagir contra essa mecânica, não tendo os meios de produção necessários para exibir seu próprio filme da maneira como lhe convir. O realizador periférico tendo o conhecimento de como “exportar” seu filme — isso é: inscrevê-lo em festivais, produtificar, comercializar — irá negociar consigo maneiras autorais de realizar e ao mesmo tempo analisar características funcionais que estejam linkadas ao tempo em que o realizador se encontra, buscando elementos pertencentes às discussões atuais, que reverbere de certo modo uma discussão já iniciada.


Há desprezo pelo o que é popular porque distorcem o que é de fato. Há realizadores sustentando um discurso narcisista que só olha pro próprio umbigo, pro próprio manual de como fazer cinema revolucionário, quando não há em nenhum momento, uma preocupação genuína com o que a periferia quer assistir. Só se preocupam em realizar, em ser autor, em produzir, em revolucionar a forma, o tema, o caralho a quatro, em registrar “memórias do presente”, em filmar “documentários fabulatórios” e toda essa gama de filmes que a periferia em si, nunca provavelmente vai ouvir falar, e se ouvir é mais pelo fato do realizador estar “acessível”, próximo, do que pela obra em si. Personaliza-se tudo. O filme não é mais o filme. O filme é o filme de TAL PESSOA. E tal pessoa não é só tal pessoa. Tal pessoa é de TAL LUGAR.

E assim suscetivelmente vamos caminhando para uma legitimação moralista de tudo o que assistimos ou consumimos.


Não há interesse pela pesquisa de campo na periferia, pesquisas de público, de gosto, essas e outras ferramentas que nos fariam verdadeiramente independentes dessa classe média maldita metida à agente intelectual conscientizador das massas, revolucionários de tese de mestrado. Se estivermos olhando como ponte para legitimação do nosso cinema periférico os festivais centrais, ou seja, àqueles cuja discussão sobre os rumos cinematográficos brasileiros estão mais aflorados, estaremos sempre ignorando e desprezando a cultura de bairro e os desejos que emancipariam a periferia.


Os filme saem das periferias e ganham o mundo, sem a mínima intensão de voltarem.

É preciso firmar compromisso com a base trabalhadora, reconhecendo que erramos durante mais de 10 anos com o nosso povo e hoje nos encontramos ainda mais perdidos na revolução. É um clichê citar Mano Brown, naquele discurso clássico no dia das votações de 2018, mas não deixa de ser útil relembrar.

Fizemos muitos filmes bons, por si só, revolucionários. Com nossas câmeras digitais, ou celulares, registramos tudo o que nos era emergente. Editamos nossos filmes com notebooks emprestados, computadores das universidades. Inscrevemos nossos filmes em festivais e mostramos nossa realidade para milhares de pessoas que nunca entenderiam de outra forma aquilo que passamos todo dia.


Essa fase já está indo bem. Agora, precisamos tomar os meios de exibição, para sermos verdadeiramente revolucionários. Classe média não faz revolução, ela hoje, acha que tem tudo a perder. Personaliza-se tudo. Classe média tem uma imagem a zelar. Se ela pudesse, mandava a periferia fazer a revolução por ela. Porque quem sente fome é quem não tem nada a perder, é quem tem verdadeiro espírito revolucionário.

 
 
 

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