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Corre

  • Foto do escritor: Davi Benseman
    Davi Benseman
  • 11 de nov. de 2020
  • 3 min de leitura

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Acordei ansioso para o novo dia, a promessa do dia anterior estava em aberto. Ele não havia me confirmado sobre a aventura, mas a palavra é cumprida com os virginianos. Eu acordo cedo, sempre foi assim, tenho gostado ainda mais de dormir cedo, a sensação de me esforçar pouco para dormir, sonhar apenas desejos reprimidos, esquecer de tudo assim que abro os olhos. Estou tentando fazer do desagradável destino, minha própria prática diária. Fui criado para isto, e para outras coisas mais, que sei algumas mas outras as demais, tenho tentado parar de descobrir. Conciliar as poucas coisas que domino e me dedicar à elas de maneira quase autoritária comigo mesmo. Não é fácil resistir aos desejos de conciliar tudo ao mesmo tempo, minha prática artística está intrinsicamente ligada aos meus momentos triste, de solidão profunda, de confusão mental. Hoje tento me desvencilhar dessas conexões baratas, a tristeza é um dos gatilhos à que posso enfiar meu indicador. Seria a arma, um objeto sagrado? Somos nós a transformar em armas os objetos inanimados? Tenho criado outros gatilhos criativos, a "solitude" me traz muitas reverberações criativas. Essa expressão foi muito usada pelo pensador Paul Tillich, que associou o termo à glória e felicidade de estar sozinho.


Só sei que, durante aquela manhã, eu não consegui comer nada, como de habitual, tomei o café puro e depois de arrumado, levei uma banana comigo, como se fosse minha arma mágica da paz. Moicano bonito, todo de preto. Nesse momento, nada me preocupava em relação ao meu calçado, porém mais tarde, bom, vocês irão ver. Consegui estabelecer contato com o virginiano e fui em direção à sua casa. Fui no pique, estava animado, vibrando positivamente, além de estar sóbrio. Cruzei o Saju (espaço esportivo da quebrada), dois homens andavam na direção oposta, entrosados, discutindo e possivelmente alterados, olhei-os bem nos olhos e os cumprimentei amigavelmente, eles retribuíram com decoro e respeito. Subi o escadão até a rua do virginiano, o trato era passar em frente à sua casa e esperar ele sair de lá, o não-dito do trato era ser discreto e não fazer minha presença notável perante outros moradores. Espeto, rondei a frente do portão por menos de um minuto e cabecinha do virginiano surgiu, lá no fundo no terreno. Ele me notou e devolvi o olhar. Ele logo saiu de lá, abrindo o portão, fechando e me cumprimentando, em silêncio, encostando os punhos em formas de soco.


Fomos em direção ao lugar mágico, à loja de medicamentos ancestrais. No caminho conversamos sobre os gatos abandonados que ele tentou ajudar, subimos a rua e chegamos no Casarão FC, descemos mais a rua e continuamos nossa saga, até que um cara, parou a gente. Em algum determinado momento da declaração dele eu pedi para que ele falasse seu nome, mas a emoção à flor da pele provavelmente o impediu. Ele apareceu para mim e para o virginiano como um anjo caído, tropeçando em suas próprias sentenças. O homem dizia sobre ter perdido o próprio filho. E evoluía. chegava a dizer que matara o próprio filho. Disse ter dado ao filho uma fazendinha, ter feito um açude, e tudo o que era preciso para sobreviver numa cidadezinha pequena no nordeste. Porém, por desventura daquele senhor (que hoje será difícil dormir sem saber teu nome), seu filho fora morto por outros lá em sua cidade, não ficou claro o conflito que levou ao assassinato do filho daquele senhor. O que ficou claro foi sua dor, sua sinceridade, e sua revolta. Ele chegou à nós dizendo que houvera sido desrespeitado por um comerciante local, próximo de onde estávamos. Eu e o Virginiano paramos e ouvimos o senhor por uns 20 minutos, nós oferecemos ajuda, nós tentamos dar suporte, mas tudo saiu errado, não havia nada que pudesse ser feito, sua revolta estava certa, nós estávamos errados. Quem éramos nós? O Virginiano disse "boa sorte", o senhor se revoltou. Compreensível. Eu perguntei "qual o seu nome?". Nós devíamos ter ficado calados e ouvido o homem. Nós chegamos quase lá. Não somos perfeitos, mas é preciso aprender e absorver o que isso nos traz de lição. Quando ele abaixou, embargando a voz, quase chorando, nós estávamos quietos, ouvindo. Quando ele começou a dizer que sobre sua culpa naquilo tudo. Tentei amenizar sua culpa, e a partir de então, tudo começou a ficar um pouco caótico. Eu sinto muito por aquele homem, não sei que história ele carrega, e pelo o quê ele passou para ter chegado até nós. Gostaria de ter lhe dado um abraço, mas como apontou o Virginiano: "é você quem precisa de um abraço".



 
 
 

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